Quando eu sai de Parati, em fevereiro de 1974,eu voltei para a cidade em que morava mas não para minha casa. Me hospedei em um hotel que dava para o dinheiro que tinha , peguei em casa um dinheiro que havia sobrado do que recebi como salário no meu primeiro e único emprego e voltei para São Paulo! E de São Paulo para Santos e de Santos para Salvador e de Salvador para o Rio de Janeiro! Andava por ruas em que nunca tinha caminhado, em idas e vindas que se repetiam, sem ter nada em minha cabeça!
No Rio de Janeiro pernoitava em uma casa que ficava diante de uma praça no centro da cidade! Pagava um valor diário para ali dormir ou ficar durante o dia! Comprava um jornal e ia para a praça lê-lo! Seção de anúncios: estaleiro admitindo eletrotécnicos! Fui até lá , preenchi documentos , dei o endereço do lugar onde estava hospedado para o envio de correspondência, para datas de exames, se houvesse interesse!
Seção de anúncios! Precisa-se de ajudante em uma pensão! Tens experiência na função? Não? Então não! Pensei em arranjar trabalho de cobrador de ônibus e cheguei a um lugar em que havia vários ônibus parados, um passante perguntou, você é daonde? Sou gaúcho! Com essa vozinha? Desisti! Fui conhecer a colônia de pescadores do Caju, da qual ouvira falar em Paraty, encontrar trabalho como pescador! Mas lá me disseram que era preciso obter permissão , licença, para o exercício da profissão de um órgão da Marinha e eu lembro que lá estive mas havia procedimentos, acho, necessários que não cheguei a fazer! Fui procurar trabalho, perguntar da necessidade de empregados no metrô em obras, mas nada havia ou encontrei!
Seção de anúncios! Precisa-se de auxiliar de balconista em um supermercado , em Botafogo! Eu ajudava meus pais no armazém que eles tinham e até que quebrava um galho! Auxiliar de balconista eu achei que poderia ser sem saber exatamente no que consistia o trabalho que seria preciso ser feito! No lugar onde eram feitas as inscrições para o cargo, função, uma moça pegou meus dados, me perguntou se eu tinha condições de manter o uniforme que teria que usar limpo e me deu um papel com endereço e data para exame médico! Ao meu lado, também se inscrevendo para a função, estava um rapaz sadio, vigoroso, o que eu nunca fui , e pensei que se o trabalho consistiria em algo que exigisse a força que ele tinha eu não poderia fazê-lo!
Em um desses dias em que ia até a praça dar uma olhada no jornal, vi um senhor sentado em um dos bancos escrevendo algo em um caderno ou folha de papel! Ele olhou para mim e eu fiz um sinal com a cabeça o cumprimentando!
E eu ao invés de ter ido à rodoviária me informar do preço de uma passagem de volta para Porto Alegre e separado um dinheiro para ela caso não conseguisse trabalho, fiquei nisso até o dinheiro que eu tinha acabar! Não tinha mais dinheiro para pagar a diária do lugar onde dormia, mas o exame médico que eu tinha para fazer estava marcado para o dia seguinte e com uma pasta de cartolina com os meus documentos procurei um banco de praça, em um lugar visível, de frente para uma rua , para dormir! Acordei com um camburão perto de mim e um policial me perguntando: cadê a maconha! Não sei! Na delegacia expliquei para o responsável a situação e ele me disse: então dorme aí , fica aqui até amanhã! No dia seguinte me liberaram mas já era tarde para o exame! No lugar onde pernoitava e passava os dias o dono permitiu que eu pegasse as minhas coisas e me disse que eu poderia tomar um banho se quisesse, informado da situação! Eu me lembro que eu, naqueles lugares pensava, em de que forma ter o efeito do LSD sem tomá-lo pois ao tomá-lo me lembrei que quando criança já tinha tido estados de consciência semelhantes! Não sabia no que consistiam , de que processos psíquicos ou metabólicos resultavam! Não compreendia nada de nada, de alguma coisa!
Resolvi voltar para Porto Alegre caminhando, ou me empurrando, pedindo caronas e comida em bares e restaurantes de beira de estrada! Um dia, nessa caminhada, aconteceu algo que me inocenta de acusações que depois foram feitas para justificar algo que depois aconteceria! Eu caminhava e um homem passou por mim e me disse que mais adiante havia alguém me oferecendo uma carona! Eu não havia nenhum sinal com a mão pedindo carona e não estava prestando atenção no que acontecia a minha volta! Ao ver o carro, um Galaxy vermelho, pensei: vai tentar me prostituir! Me nego, recuso e pronto! Entrei no carro, era dia ainda , na parte da tarde do dia, e começou o papo!!! Que levava garotos para hotéis, primeiro para hotéis baratos e conforme fosse a coisa para hotéis mais caros e que em deles em que já havia estado a vista dava para uma certa igreja! E eu nas minhas indéias: por aí nada começa , tudo termina, morrer de fome é o menor dos males e morrer de fome eu não vou, posso pedir esmolas nos bares e restaurantes de beira de estrada! E também pensei que se é rico, tem alguma indústria, fábrica, poderia me arranjar trabalho como eletrotécnico, mas também que favores para pessoas desse tipo não se deve dever! Fiquei calado o resto da carona e já era noite quando ele disse que ia entrar em um desvio, acesso para acidade para a qual queria ir! Sai do carro e ao sair ele me perguntou se eu tinha dinheiro e eu lhe respondi que tinha , sem mais nada e nem agradecer pela carona, se bem me lembro!
Já era perto de São Paulo, eu peguei um ônibus, desses que fazem trajetos para lugares que circundam grandes cidades e em São Paulo, sentei em um banco de praça próximo da rodoviária , com diversas pessoas que ali dormiam ou esperavam o horário para o ônibus! Não consegui dormir e pela manhã sai caminhando procurando chegar até a rodovia para o Sul, caminhava e caminhava procurando mas não chegava a pensar,, simplesmente, em perguntar para alguém, paras pessoas que passavam caminhando, como se faz, por qual rua devo ir, para chegar até a rodovia! na minha frente surgiu de repente um guri, que morava em uma ca próxima da minha, em Porto Alegre, andava com grupos de pessoas que, naquela época viviam em bandos ou em grupos nas grandes cidades vendendo coisas feitas com miçangas e metais para ter dinheiro para comida ! E pediam dinheiro, e cigarros para passantes e tinham também em comum o consumo de canabis! Finalmente arranjei um lugar onde poderia dormir, junto com o guri ,que morava perto da minha casa em Porto Alegre, e alguns do grupo de pessoas no qual vivia! Embaixo de um viaduto! Metido no saco de dormir que trazia comigo! Acordei de manhã, mas a mochila que tinha deixado ao lado da minha cabeça já não estava mais ali! E meu par de tênis, que tinha deixado fora do saco também não! Alguém arranjou uma sandália usada, dessas de couro, que eram feitas artesanalmente naquela época, e o rapaz que eu conhecia me instruiu em algumas coisas! Me disse para ir a uma delegacia registrar o roubo da mochila por haver nela documentos e talão de cheques e de haver um serviço da prefeitura de São Paulo que dava passagens para migrantes, ou ajudava pessoas sem condições econômicas a voltarem para suas cidades de origem! Registrei a ocorrência em uma delegacia e consegui, ainda conseguia, chegar até o serviço que a Prefeitura de São Paulo disponibilizava na época! Dormi lá, tomei café, em dobro para quem ajudasse a lavar o chão, almocei e de lá sai , à tarde, em um ônibus da Prefeitura , em um grupo de pessoas, para a estação ferroviária, e com direito à um pedaço de goiabada para comer no trem, durante a viagem! Mas com mais sarna para me coçar! Um sujeito do grupo também voltava para Porto Alegre e me disse que era punguista e tinha sido pego em um super de algum lugar querendo roubar uma garrafa de whisky e também chegado à um fumo e sentou no banco do trem que ficava diante de mim! Adormeci sentado mas acordei por ter o sujeito me dado um peteleco na testa e estar se rindo diante de mim, não ,não gostei não, e aí ,vai querer brigar a socos?, não! A passagem dada era até Curitiba e de lá era preciso ir à um serviço de Assistência Social disponibilizado pela prefeitura e existente na estação ferroviária ou em um lugar próximo! Mas o trem não ficou disponibilizado e eu resolvi voltar caminhando para Porto Alegre! A viagem de trem levaria vários dias e eu não teria dinheiro para comprar comida! Caminhando como antes fazia poderia pedir comida da mesma forma que antes , explicando a situação! E o sujeito continuou grudado em mim e eu pedia comida para mim e para ele! E num desses pequenos armazéns à beira da rodovia, á noite, ele me disse que queria pegar um pacote de bolachas de um tabuleiro em que estavam expostos do lado de fora e pediu para que eu fosse lá dentro pedir um copo dágua para quem lá estivesse, para distrair a atenção de quem lá estivesse e não o ver pegando a bolacha! E eu quis mostrar para ele que não era por ser um cagão ou medroso que eu pedia esmolas ao invés de roubar! Mais adiante, quilômetros adiante, um caminhão que passava , diminuiu a velocidade e parou mais á frente! Ele me disse que tinha gritado "FDP" para o motorista, para que eu ficasse ali e saiu correndo na direção contrária a que vínhamos caminhando! De dentro do caminhão saiu o motorista com um revólver na mão, onde é que nós estamos, pensando o que, em algo referente a comunismo, e eu lhe disse que nós estávamos caminhando pela estrada a vários dias e que ele tinha ficado com algum problema mental!
Apenas muitos anos depois, décadas, eu compreendi a intenção do sujeito que caminhava comigo! Mas tá certo: é por isso mesmo que eu pedia esmolas ao invés de roubar! Eu estaria fazendo algo próprio de um lixo e poderiam até me dar um tiro, sem problemas, pois ficaria justificado!
E tendo voltado para Porto Alegre, tendo feito meus documentos de novo, e tendo resolvido voltar para Paraty, o que eu pensaria lá haver para mim de trabalho ainda e que eu conseguiria fazer era manter panelas higienizadas, pratos e talheres higienizados, assoalho de madeira da casa sem poeira se acumulando , lenha no galpão para cozinhar e ficar responsável pela casa quando o dono se ausentava! Eu intui em um instante que para lá não deveria voltar pois o dono queria me destruir mas não segui a minha intuição mas o que eu poderia pensar que ele quisesse me fazer seria me expulsar da casa dele a ponta pés pro não ter conseguido cuidar de algumas roseiras dele, não ter conseguido evitar que formigas levassem todas as folhas delas para dentro do seu ninho! Mas de ser um assassino e com o caráter e o nível moral que depois compreendi ter eu não o imaginava ser!